terça-feira, 17 de agosto de 2010

O tempo resolve tudo!

Sempre quis escrever algo sobre minha experiência, sobre minha vida, nunca o fiz. Talvez por falta de tempo, talvez por falta de inspiração...mas ao descobrir um blog que propõe colocar na roda a história de pessoas anônimas, que, sendo protagonistas de suas próprias vidas muitas vezes encaram papéis diversos para esconder seu verdadeiro personagem, resolvi que seria o lugar certo.

Quando fala-se em homossexualidade, um estereótipo construído por uma sociedade hipócrita, pobre de espírito, chega à mente das pessoas...e na maioria das vezes, tranca a passagem para que conheçam quem realmente somos. Quando somos gays, nosso "gaydar" fica mais apurado. De longe, instintivamente, sabemos quem faz parte do nosso mundo e quem não faz. No meu caso, a margem de erro é pequena. E, só quando isso acontece, começamos a perceber quantos tipos de pessoas fazem parte disso também. Às vezes me sinto num submundo, nas galerias do mundo heterossexual, como se tivesse que viver escondida, me privando das minhas vontades para não ofender a moral das "boas pessoas". Por várias vezes tive essa sensação... mas ela não me intimida.

Não sei dizer quando me descobri homossexual. Tenho impressão de que sempre soube mas não sou o clássico estilo "menininho", também não sou feminina, não uso salto alto costumeiramente, apenas em ocasiões especiais, não gosto de maquiagem, de unhas pintadas...mas também não vivo com calças largas e cabelo curtinho, não fumo e bebo só de vez em quando...talvez por me faltar itens considerados estereótipos demorei para sacar. Não sou daquelas que com 10 anos já sabia o que era. Minha história começou com uma grande amizade, e não foi por ela que me apaixonei, como geralmente acontece.

Éramos amigas, muito amigas, vivíamos juntas, saíamos, passávamos dias de semana e finais de semana juntas. A amizade estava muito intensa e um dia, ela resolveu me contar: havia namorado uma amiga nossa, durante 6 meses, e agora, namorava uma garota do colégio. Cheia de receio, me perguntou se eu achava estranho, qual era minha opinião sobre isso...eu, estranhamente, não estranhei...


De repente, um botãozinho ligou dentro de mim e me abri para um novo mundo, que até então, era obscuro. Passamos a sair para lugares gays, com outras amigas e me vi no meu mundo...até então, eu nunca havia beijado uma garota. Não foi pelo fato de beijar, de me apaixonar por alguém que percebi minha sexualidade. Quando me vi naquele universo, sabia que era por ali que queria estar para sempre. Encantei-me com o mundo livre, com pessoas com as quais me identifiquei. E ali, estava consciente, eu era gay.

Ao contrário de muitas pessoas, isso me soou muito naturalmente, não tive crises de identidade ou de religião, minha família nunca foi ligada nesses lances de religião. Desde criança, me ensinaram sobre Deus, que era algo bom, que era amor, estudei até o primeiro ano do colegial numa escola de freiras e por conhecer a doutrina cega e obsoleta da igreja católica, aprendi a ignorá-la.

Meus pais, separados desde quando eu tinha uns 2 anos, nunca haviam desconfiado. Adoravam minhas amigas e meu pai, particularmente, sempre tratava esse tema com naturalidade...dos 15 aos 17 anos eu me descobri. Tive experiências com garotos e nada me fez sentir “estrelinhas no estômago”, nada era êxtase. Era tudo como deveria ser...para os outros, não para mim. A convivência sempre muito próxima com essa amiga me despiu de todo e qualquer preconceito e quando as coisas começaram a acontecer com as garotas, eu já me aceitara, já sabia quem, o que e como eu era. Simples e sem angústias.

O tempo passou e algumas pessoas também passaram pela minha vida até que, aos 17 anos, conheci uma professora particular, com quem tive aulas (incentivada e quase obrigada pelo meu pai) para me preparar para o vestibular. Foram 3 aulas e dali, em três dias, uma amizade e admiração surgiu muito rapidamente, surgiu também a descoberta de que ela era do babado. Ela namorava há seis meses, eu também, há um mês. No mês que seguiu, levei um pé na bunda e fui chorar minhas mágoas para essa nova amiga que...a essa altura já se tornara minha amiga de infância.

Óbvio que a namorada dela ficou cheia de ciúme e óbvio que ela tinha motivos. Começamos, então, nossa linda história. Ela já dura 4 anos e meio. No segundo dia que estávamos juntas discuti com a minha mãe e tivemos “a conversa”! Abri o jogo para ela e surpreendentemente, ela reagiu da melhor maneira possível. 

Claro que depois de muito choro, muitas verdades jogadas na mesa e algumas alfinetadas ela me disse: “Filha, isso é muito estranho para mim, peço que me dê um tempo para eu me acostumar e, se for mesmo o que você quer para a sua vida, teremos que aprender a lidar com isso!” E aprendemos... uns meses depois foi a vez do meu pai. Embora achasse que ele aceitaria com facilidade, tinha receio de que ele soubesse, afinal, todo gay tem medo de decepcionar seus pais, comigo não foi diferente, ele, que sempre me tratou como sua princesinha, filhinha querida, agora teria que aprender que sua filhinha não era exatamente como ele pensava...não corresponderia às suas tradicionais expectativas em relação à família.

E então, ele me chamou para “a conversa”, outra vez. Me surpreendi de novo, e negativamente. Já ouviu dizer que pimenta nos olhos dos outros não arde?! Pois é...quando foi no olho dele, ardeu.

Sempre fui uma pessoa de opiniões fortes, teimosa, personalidade afiada. Me assumir apenas reforçou meus traços. Quando a gente se mostra pro mundo, tem que estar preparado para ver e ouvir o que não quer. Temos que ser fortes porque muitas vezes, estamos sozinhos. Nos olham como inexperientes, incapazes de ter opiniões próprias e rebeldes, além de estarmos sempre na moda.

Todo pai pensa que ser gay é modinha, uma hora vai passar. Deixa!! Quando a moda começa a se estender por muito tempo, eles vão se desiludindo e às vezes, começando a se conformar, ou não. Mas o tempo...ahhh o tempo, resolve tudo. Como um quebra-cabeças, vai encaixando todas as pecinhas. Já vi muitas coisas mudarem durante meus anos de lésbica assumida. Tive muita sorte... nunca me trataram mal, nunca fui colocada pra fora de casa, nunca ouvi desaforos...mas também nunca permiti que esmagassem minhas certezas, minhas metas.

Quando falam sobre nós, gays, parece que esquecem que temos família, que nos importamos com eles..."Ahhh, coitada da fulana! Você viu! O menino dela é gay!” ou “Coitado do vizinho, a filha dele é sapatão!!” não importa se temos bom caráter, se somos inteligentes, se gostamos de ler ou de praticar algum esporte. Não importa se somos bem sucedidos em nossos empregos, se pagamos em dia todas as nossas contas. Importa que decepcionamos nossos familiares, que beijamos outra garota ou que freqüentamos lugares “profanos”.

E os nossos sentimentos?? E nossos medos e a dor que sentimos quando pegamos nossa mãe ou nosso pai chorando, se lamentando por não sermos como “deveríamos ser”? Às vezes tenho vontade de gritar “Eeei, vem cá...eu tenho dignidade viu!!” 

A gente sofre quando vemos alguém que amamos sofrendo, ainda mais se for por nossa causa mas...sinto muito, essa é minha vida, minha felicidade, meu jeito de ser, foi nesse universo lindo, cheio de segredos e de cumplicidade, cheio de histórias lindas e histórias picantes, cheio de amor e de fidelidade (siiimm, os gays também são fiéis, não saem traindo a torto e a direito), é esse o meu lugar!

Minha família aos poucos está entendendo minha vida, minhas escolhas. Hoje, há duas semanas, moro com a minha namorada, ops...com a minha esposa. Conquistamos isso sozinhas, temos nosso apartamento, nossos móveis, nossos eletros e eletrônicos...não pedimos nada para ninguém, se alguém nos deu um presente, foi porque teve vontade. Não fizemos listas de casamento, não teve festa, não teve comilança. Teve muito trabalho, muito esforço e um sonho realizado.

Sei que fui pela contra-mão da estrada da vida...mas quem disse que uma via não pode ter mão dupla?? 


Depois de tudo o que enfrentei, aos 21 anos, não poderia estar mais feliz.


* Larissa

19 comentários:

Anônimo disse...

Bela historia de VITORIA PESSOAL.
Muita sorte nessa nova caminhada ao lado de sua esposa, e que DEUS, DEUS de AMOR e JUSTIÇA abençoe essa união!
Abraço.

Alice disse...

ai que coisa mais linda! Você escreveu tudo o que ue penso e acho que agora, que acabei de ler.. O que ue sinto por você é uma enorme admiração. Eu penso da mesma forma e tenho os mesmos sonhos q vc teve e agora tá realizando.. O tempo cura tudo, eu sei disso também. Um dia a gnte chega lá e eu e ela vamos ter também a nossa casa, com as nossas coisas e ninguém pra poder falar do que pe nosso. Muitaa felicidade pra vocês! Beijos

Anônimo disse...

Olá, é um prazer estar aqui novamente. Gostaria de deixar aqui um pedido, inscrevi o ternuraeintimidade no concurso blogbooks na categoria sexo (sexualidade), quem sabe ele vira livro! Para isso gostaria muito de sua ajuda votando em meu blog, basta ir para este link
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A.N.A. disse...

Minha família também é de uma sabedoria imensa, me ama pelo que eu sou e não admitem que falem um nadica de nada de mim e minha Amada.
Felicidades mil nesta nova etapa de sua vida com sua companheira.

R. disse...

Bela história, concordo com tudo que você disse, mas infelizmente nao tive a mesma sorte que você
faz um ano que meus pais sabem e um ano que eu sofro com isso e vivo quase que em prisão domiciliar =/
mas tudo de bom pra voce e pra sua esposa e espero que tudo continue dando certo :]

Anônimo disse...

Muuito legal sua história... Quero mto ter a sorte q vc teve.. de seus pais aceitarem e tal...
E olha, se vc tá feliz.. Vc n foi pela contra-mão da estrada da vida... Vc com ctz foi pela mão certa.. :)
beijoo

Camila.

Nicolly' disse...

Além de uma belissima história.. existe tbm como ingrediente fundamental, uma ótima escrita. Se expressou muito bem, parabéns!!!
Felicidades pr vcs meninas...
Vcs merecem oq conquistaram, sem duvidas!
;*

Anônimo disse...

Temos uma história parecida na parte de se assumir... Muito bonito seu texto. Muita sorte pra vocês na nova casa :)

Renata J disse...

Concordo com Niky. Além da belíssima história, a narrativa prende e cativa. Parabéns!

As Namoradas disse...

Oi!
Toda história carrega seus prazeres e dores, a sua é muito linda!
Ter coragem e se descobrir é a melhor coisa que há, e fala sério como é bom ser casada não é mesmo, ainda mais com outra mulher!! rsrsrs adoroooo.
As Namoradas

minhavidakriptoniana disse...

Pouxa legal esse blog hein! Acabei de ver no paradalesbica e talz. Há pouco tempo comeceicom minha um cm minha ada. Contando nossas aventuras como casal e solteiras tbm! Isso é legal!
http://minhavidakriptoniana.blogspot.com/

Parabéns! Bjus

Tânia disse...

Emocionante a história de vocês... Procurem ser felizes diariamente... Felicidades as duas.

Rejane disse...

Parabéns! A sua história é simplesmente emocionante e me deu motivação a continuar e a vencer! Quando sabemos o que queremos, obstaculos surgirão, mas com determinação vencemos! Sua esposa deve ter muito orgulho de você e por ela está com você deve ser tão quanto especial. Com tamanha cumplicidade, fidelidade, determinação e amor você superou e exigiu respeito de todos aqueles que te rodeiam. Um grande abraço, você realmente é uma MULHER no sentido literal da palavra. Parabéns Mulheres Lésbicas determinadas.

Lília disse...

Sua história é belíssima e tem um traço que eu muito admiro, a franqueza, a coragem de se assumir e acima de tudo a vontade de ser feliz do jeito que se é.

Eu não sou gay, mas defendo arduamente as suas causas, uma vez que vejo tanta hipocrisia no mundo, tanta sujeira de gente que se diz direita...

O que nos faz gente, é ser humano, é ter caráter, é ter garra coragem, é ter vontade de viver!

Adorei a sua história e acho que ninguém deve viver em guetos, por isso tenho amigos homossexuais, negros, pobres, favelados, ricos, intelectuais... porque tudo isso é rótulo... o que importa realmente é o que temos dentro de nós e como nos identificamos com as pessoas...

Parabéns pelo post!!

Beijão

suéllen disse...

Concordo plenamente com a guria aí de cima.
Tem muita gente matando,roubando,prejudicando as pessoas,e poucos se preucupam!enquanto outras que apenas querem ter o direito de amar quem qzer são qze que apedrejadas por uma sociedade hipócrita de pessoas metidas a moralistas,que perdem tempo se preocupando com a vida alheia,pura ignorância,covardia,falta de respeito com o próximo,mal sabem que com a mesma forma que se julga,seremos um dia tb julgados..sinceramente éh uma pena!
As meninas só tenho à desejar muitíssimas felicidades nessa nova etapa de suas vidas e parabenizar pela valentia,pq é só assim que alcançamos algo,com garra e determinação,"qdo se quer alguma coisa agente abraça". E vcs abraçaram,eis aí a recompensa!
"Q vcs sejam felizes para sempre".
bjus

Alê disse...

Adorei sua narrativa! Você desenhou de forma clara sua trajetória. Parabéns pelo sua posição, força e determinação. É assim que se fala! Temos que viver o que temos vontade e lutar pelo que acreditamos, pois senão, de que vale a vida? Tudo que acontece, há uma explicação e para tudo há um jeito!
Me identifiquei muito em alguns trechos de sua história e te digo que vc está no teu caminho de vida, se vc agisse diferente, ai sim vc estaria na "sua" contra-mão. Afinal, quem disse que realizar sonhos é fácil?

Anônimo disse...

Olha *Larissa, das historias apresentadas até agora, foi a que mais gostei, pela sinceridade explicitada e, principalmente, por não fazer do fato de ser lésbica um melodrama( sem aqueles lirismos, cliches sentimentais bregas).
Parabens pela historia ( vc escreve bem) e pela lição de vida.

Roberti disse...

*Larissa, das historias apresentadas até agora, foi a que mais gostei, pela sinceridade explicitada e, principalmente, por não fazer do fato de ser lésbica um melodrama( sem aqueles lirismos, cliches sentimentais bregas).

Parabens pela historia ( vc realmente se expressa muito bem) e pela lição de vida.

Dasein disse...

Linda história, vejo aqui no blog que poucas pessoas são assumidas (não só para sí, mas para familiares também) e isso dificulta a conseguir um relacionamento, parece que não há segurança para lutar, e você lutou pelo que quis, minha história se parece um pouco com a sua,me assumi e minha familia é bem aberta, mas não tive a coragem que você teve.. Tudo de bom pra você e sua esposa. Parabéns